Quando não há mais vida, resta à medicina estabelecer a verdade. A missão de desvendar as causas reais de uma morte pertence aos médicos legistas, profissionais que comemoram o seu dia neste 7 de abril (quinta-feira). Mas apesar de a ideia recorrente remeter ao trabalho com cadáveres, essa é a menor demanda na rotina de um Instituto Médico-Legal.No Paraná, por exemplo, foram 53.322 atendimentos a vítimas vivas e 9.052 casos de óbito em 2015.“O trabalho realizado por todos os profissionais do Instituto Médico-Legal é muito difícil, sensível, técnico e que vem ao encontro da população e demais profissionais da Segurança Pública em momentos críticos. Então, devemos todo respeito, toda consideração e o compromisso de melhorar a qualidade de trabalho, o ambiente de trabalho e o efetivo da Polícia Científica”, parabenizou o secretário estadual da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná, Wagner Mesquita.“Fazer medicina legal é consagrar a cidadania. Quando pratico medicina legal eu examino pessoas vivas e pessoas mortas e extraio delas as ofensas às quais foram acometidas. Ofensas físicas, que podem acarretar na morte, mas também ofensas psicológicas e emocionais”, explica o médico e diretor do IML, Carlos Alberto Peixoto Baptista, de origem portuguesa.Ele veio para o Brasil em 1976 e atua no IML em Curitiba desde 1984, onde foi responsável por mais de seis mil necropsias neste período. “Ao revelar essas ofensas sofridas pelas pessoas, estabelecemos nexos de causalidade com o fato e trazemos uma verdade que, em via de regra, é indiscutível”, acrescentou.“O médico legista é uma figura importantíssima no cenário forense, através da busca de vestígios para a imputação de responsabilidade e elucidação de crimes”, comentou o diretor-geral da Polícia Científica do Paraná.As provas periciais estão entre as mais robustas de um inquérito policial. Enquanto os peritos criminais estudam e colhem dados e informações na cena de um crime, o médico trabalha com a vítima.
CLÍNICA MÉDICA - As lesões corporais lideram esse trabalho na clínica médica do IML: foram 32.281 no ano passado, sendo 22.686 apenas em Curitiba. O IML também realizou 8.584 exames de corpo de delito em indivíduos que ingressaram em delegacias ou no sistema prisional. Ainda foram produzidos laudos para apontar conjunção carnal (3.854), ato libidinoso (3.476), lesões corporais relacionadas a acidente de trânsito – DPVAT – (3.141), sanidade física (1.880), contágio venéreo (45), avaliação odontológica (27), verificação de gravidez (13), verificação de aborto (7) e verificação de idade (4).
Mas e quando a vítima está morta? “O cadáver ‘conversa’ contigo e começa a mostrar o que efetivamente aconteceu com ele”, afirmou, em sentido figurado uma das máximas da medicina forense, o médico legista Alexandre Gebran Neto, com 41 anos de experiência. Ele explica que todas as lesões têm uma origem que ‘revelam’ como aconteceram e até qual instrumento foi utilizado.“Infelizmente a morte está posta. Mas emocionalmente conforta a família ter uma notícia de como aquela morte ocorreu. A gente consegue resgatar a verdade para a vítima”, reforçou Peixoto.Verdades que são um retrato da violência social do país. “No início (o trabalho no IML), sempre choca um pouco, porque você entra em contato com todo o tipo de crime possível e imaginável. Acaba tendo uma verdadeira noção de como é a violência na nossa sociedade”, comentou o médico perito André Ribeiro Langowiski, 42 anos.Ele atuou por seis anos atendendo as pessoas na clínica médica do IML e está há um ano no necrotério. Para suportar tudo o que vê, o médico recorre a muitos exercícios físicos, como provas de montain bike e travessia marítima como forma de ‘desligar’ do trabalho.Langowiski se interessou pela Medicina Legal ainda na faculdade. “É uma especialidade que possui esse viés jurídico, então acho importante gostar de Direito”, disse. “É gratificante poder ser um dos partícipes de uma situação que muitas vezes é decisiva. Às vezes um laudo nosso elucida toda a questão jurídica e tem um papel preponderante tanto na absolvição como na condenação em um caso”, afirmou.
DIA E HORA – Calor, dinheiro no bolso e fim de semana. Essa combinação é garantia de ‘movimento’ no necrotério do IML. “Quando está mais quente, as pessoas saem mais. Se for no início do mês, também estão com mais dinheiro para gastar no fim de semana. O resultado a gente vê aqui. Mais pessoas nas ruas, mais pessoas bebendo e dirigindo, mais criminosos querendo roubar, maior a chance de briga, assassinatos e acidentes”, explicou o médico Alexandre Gebran Neto. Quando chega o frio, aumentam os casos, segundo o IML, de mortes naturais, especialmente em idosos, e de suicídio.
ACIDENTES - No Paraná, os óbitos por acidentes de trânsito lideram as estatísticas no IML, com 2.153 ocorrências em 2015. Na sequência estão ferimento por arma de fogo (1.109), queda (416), enforcamento (413), ferimento de arma branca (391), afogamento (256) e agressão física (231), entre outras.Em Curitiba, as mortes por arma de fogo estão na ponta da lista (1.088), seguidas por acidente de trânsito (510), queda (225), enforcamento (155), ferimento de arma branca (155), agressão física (122), afogamento (51), e demais eventos.
DATA – A perícia médico-legal foi oficializada no Brasil há 130 anos com a lei nº 18, de 7 de abril de 1886, assinada pelo conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, então presidente da Província de São Paulo. A data foi escolhida, então, para homenagear os profissionais que atuam nessa área.