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Maringaense desenvolve modelo para prever ondas em lagos e rios

Assim como a previsão das ondas no canal da Mancha foi decisiva para o sucesso do desembarque das tropas aliadas no Dia D, em 1944, saber como será o comportamento das ondulações em lagos é igualmente vital. O problema é que, até hoje, ninguém desenvolveu um modelo eficiente para esse tipo de previsão. Um brasileiro quer mudar essa história.

Marcelo Marques, da UEM (Universidade Estadual de Maringá), desenvolveu um modelo matemático para prever ondas em lagos que já foi testado com sucesso em dois reservatórios brasileiros, o das hidrelétricas de Ilha Solteira e de Porto Primavera (Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta), ambos nas fronteiras do Estado de São Paulo.

O próximo passo, segundo Marques, é testar as equações armazenadas em um programa de computador feito por ele no reservatório da usina de Itaipu. O desafio é obter uma previsão também eficiente em uma área maior.

O reservatório da usina binacional, com os seus 1.350 quilômetros quadrados de área inundada, é o sétimo maior do Brasil. Mas, segundo Marques, ele é considerado o maior em termos de geração de energia. A Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, é o maior corpo de água doce em extensão.

'A previsão de ondas, em termos gerais, é importante tanto para evitar a erosão das bordas dos lagos quanto para impedir acidentes de navegação', disse o pesquisador da UEM.

No caso de Itaipu, onde os novos testes vão ocorrer até o fim do ano, saber o comportamento das ondas tem mais uma aplicação: 'Com base nas ondulações é possível saber onde será melhor colocar os tanques de criação de peixes. Existem espécies que gostam de ondas e outras que não'.

A pista do vento

O modelo matemático feito por Marques faz a previsão das ondas, por enquanto, com uma hora de antecedência. O programa de computador é alimentado pela força e pela intensidade do vento e pela área da superfície do lago afetada pelo deslocamento de ar (a chamada pista do vento).

Todos os dados são referenciados geograficamente e apresentados sobre as imagens de satélite dos reservatórios.
"Até hoje, só existem modelos de previsão exclusivos para ondas marítimas. O brasileiro poderá ser usado em todo o mundo", afirma Marques. "Ele é feito com software livre."

Segundo o pesquisador, com algumas adaptações, que incluem o cálculo das correntes, o modelo de ondas lacustres também poderá ser usado em rios, como os amazônicos, onde a quantidade de acidentes com barcos é freqüente. "Nas hidrovias, mesmo em São Paulo, nós temos também acidentes por causa de ondas e ventos", disse.

Mas, mesmo depois de o programa de previsão brasileiro ficar totalmente pronto, o desafio a ser vencido será o de investir em infra-estrutura, afirma o pesquisador da UEM.

"Será preciso instalar estações meteorológicas nos lagos para que os dados básicos [como a velocidade e a intensidade do vento] estejam disponíveis e nós possamos alimentar corretamente o modelo." O uso de ondógrafos (equipamento para medir as ondas) também é importante, segundo o cientista.

Segredo de guerra

Do ponto de vista metodológico, o pesquisador da UEM usou como um dos seus pontos de partida o modelo de previsão de ondas desenvolvido pelo oceanógrafo norueguês Harald Sverdrup (1888-1957) --que chegou a participar de uma expedição ao Ártico como membro da equipe do seu compatriota Roald Amundsen-- e pelo austríaco Walter Munk, 91, e que depois foi adaptado e melhorado por outros cientistas.

As equações para prever ondas montadas pela dupla, trabalhando já nos Estados Unidos para os aliados durante a Segunda Guerra Mundial, evitaram que muitos soldados que participaram do desembarque histórico na noite de 6 de junho de 1944 na Normandia (França) morressem simplesmente afogados, segundo vários analistas de guerra que escreveram sobre o Dia D.

A operação de guerra foi adiada em um dia por causa também das péssimas condições do tempo no dia 5 de junho. E o mesmo ocorreu com a publicação científica dos trabalhos sobre oceanografia.

Sigilosos durante os anos de guerra, os estudos só foram liberados para publicação pelas autoridades dos Estados Unidos em novembro de 1945, aproximadamente dois meses após o fim dos combates.
Folha de São Paulo