CULTURA

Y el Flamenco sigue!

No palco, esses quatro artistas são elos de - e para - uma cultura viva. A formação de palco é sugestiva e singela: um semicírculo.

Y el Flamenco sigue!

"Uma vez eu estava num lugar de flamenco com uma sevilhana e tinha um sujeito cantando. Eu perguntei:"Te gusta este cantador?" E, ela disse: "No! No expone!" Não se expõe! Não faz no máximo. E o sevilhano quer sempre a coisa feita no máximo. Fazer no extremo, onde o risco começa."
João Cabral de Mello Neto

(Antes de iniciar, revelo o meu dilema em escrever sabendo estar diante do inenarrável, mas que devo, por ofício, registrar e transmitir. Assim, que a tal fuerza del duende ajude-me a reportar aquilo que vi na noite de quarta-feira, dia 6 de dezembro de 2007, no Teatro Reviver de Maringá. Arre!)

Murillo Da Rós e Cia de Arte Flamenco é o nome da turnê com ares flamencos, atualmente em circulação pelos teatros paranaenses via incentivos da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. Formada pela bailaora Renata Candelot, a cantaora Andrea Gutiérrez e os tocaores Murillo da Rós (guitarra) e Fabiano Zanin (cajon) a trupe realiza um trabalho sui generis.

A outra cara metade para fechar a esfera: o público. Tal singeleza de disposição cativa por transmitir a sensação festiva da arte do encontro – tão viceral ao flamenco!

Vigor esse admirado por nosso grão-poeta, João Cabral de Mello Neto (por vezes em cargos diplomáticos por terras andaluces), que – certa vez, assim se expressou: "Em todo balé clássico, o esforço da bailarina é negar a lei da gravidade. A bailarina dança na ponta dos pés e sempre dá uns saltos assim para dar a impressão de que ela não está sujeita à lei da gravidade. No flamenco é exatamente o contrário. É uma dança de pateada no chão. O dançarino dá patadas no chão."

Para a bailaora Renata Candelot, a dança flamenca traduz todas as emoções da música e expressões dos sentimentos. Por conseguinte, para quem assiste às tais patatas – bem sedutoras, por sinal - o ritmo é catártico.

Além da dança e junto: o palmeado, as levadas percussivas e o canto que toca fondo el alma são de uma intensidade tal que fazem certa correspondência com as nossas já conhecidas rodas de samba-raíz. (Inclusive pelo momento de baile – quando a bailaora entra em cena – ou na roda.). Há contornos do improviso – característico do que é próprio do se envolver com aquilo que o momento atina. Como bem diz Andrea Gutiérrez, "não há como fazer flamenco sem sentir".

Don Murillo
Guitarrista e compositor, o paranaense Murillo Da Rós estuda violão clássico desde a infância. A música flamenca foi uma paixão à primeira vista. Logo se tornou intérprete de guitarristas espanhóis, mas foi o contato com a obra do virtuose Paco de Lucia que o fez entrar de cabeça no estudo da música flamenca. A dedicação foi tamanha que, por incentivar a difusão da cultura espanhola no Estado, Murillo recebeu do Consulado da Espanha o título de Don.

Nessa turnê, as composições criadas e buriladas por Don Murillo Da Rós criam um terreno de inovação que se diferencia do modo mais corriqueiro e mediano de conceber o flamenco - tão ancorado, apenas, nas esferas da tradição e do folclore. Muito possivelmente, motivo pelo qual o projeto foi um dos três selecionados entre as diversas propostas inscritas para circular pelo Paraná. (Nove cidades recebem a turnê - a trupe já passou pela Lapa, Telêmaco Borba, Londrina, Maringá e Cianorte. Veja agenda ao final.)

A apresentação mostra com magnitude que tradição e criação também podem andar juntas e, por vezes, ensimesmadas na argamassa da contemporaneidade. Afinal, não há tradição que não tenha sido inventada e nem folclore que não possa se reinventar, posto que é o homem que os acalenta. Ou seja, há de se compreender que a cultura não é estática e, sim, semovente. A criatividade é natureza do humano.

Fuerza del duende
Buscando similariedades, há no flamenco aquilo que por estas terras de cá identificaríamos como sendo o suinge, a ginga, o axé; mas que leva o nome de soquete ou duende – este, espécie de força de espírito arrebatadora presente na interação única dos encontros. (Por tal motivo, o espectador dessa apresentação tende a não ficar imóvel. Há sempre algo que baila; senão o corpo, os olhos e, quiçá, a alma.)

Na conversa com o tocaoro Fabiano Zanin (bem percussiva, diga-se de passagem) surge um exemplo curioso do que seria uma atuação do duende, "Há regiões na Andalucía em que as crianças é que fazem o cante". E pergunta, "Como poderia uma niño, sem experiência alguma de vida (dor, sofrimento, paixão), cantar flamenco com tanta intensidade? Alguns dizem que há entidades que amparam, que se valem dos niños cantaoros para que no canto possa tomar forma el dolor, la pasión y el sufrimiento - sentimentos que ele ainda não experienciou."

Com crença em seus mitos ou não, por certo, há nessa expressão cultural uma celebração da presença. Qual uma festa da vida que segue o além-mar das gerações e país es. Uma fuerza que anima el alma. Así el flamenco sigue... Olé! Y que se vaya bien!

Serviço:
Murillo Da Rós na internet: www.myspace.com/murillodaros

Para quem perdeu a apresentação em Maringá, a turnê segue com a seguinte agenda:
CAMPO MOURÃO – 7 de Dezembro, sexta-feira
Casa da Cultura, 20h

CURITIBA – 16 de Dezembro, domingo
Auditório do Museu Oscar Niemeyer

Ingresso: R$ 5,00 (inteira), R$ 2,50 (meia)

Rafaela Tasca