PROJETO

“Um Outro Olhar” completa 18 anos ampliando o espírito crítico sobre cinema

“Um Outro Olhar” completa 18 anos ampliando o espírito crítico sobre cinema
O Projeto “Um Outro Olhar”, que amplia o espírito crítico e reflexivo do cinema por meio de sessões de filmes seguidas de discussões completa 18 anos nesta quarta, 17. A iniciativa, que nesse período reuniu um público estimado em 180 mil pessoas, mais de 1,2 mil filmes e aproximadamente 2 mil sessões de cinema, é realizada aos sábados às 20 horas, no Auditório Hélio Moreira, e conta com o apoio da Prefeitura de Maringá, por meio da Secretaria de Cultura. A entrada é gratuita.

O coordenador e curador do “Convite ao Cinema”, Paulo Campagnolo, explica que o projeto exibe filmes afinados com a história do cinema, no sentido mais representativo, e obras de novos diretores, cujos trabalhos sejam “provocadores” e que no âmbito do assunto, possam propor novas perspectivas, consciência e luz para o público.

“Uma proposta simples que, no entanto, diante da cada vez mais aterrorizante massificação, vai sempre esbarrar no conluio das mentes estreitas com a falta de senso crítico. O Convite ao Cinema, é bom dizer, é um projeto aberto a todos, gratuitamente, e que tem como alvo principal o Cinema. Não o cinema das massas, mas o cinema que leva em consideração a inteligência do frequentador”, avalia Campagnolo.

A seleção das obras - o curador assiste uma média de 60 filmes por mês - resgata grandes clássicos fundadores que influenciaram as gerações de cineastas posteriores, além de filmes que transformaram e redefiniram a linguagem cinematográfica.

“Sobre o cinema contemporâneo, que anda muito mal das pernas, assisto uma infinidade de filmes e as escolhas recaem naqueles que de uma forma ou de outra ultrapassam certos limites, provocam um confronto, tanto formal quanto no que diz respeito ao seu assunto. Além do mais, como curador, não posso deixar de, a partir do contexto atual - político, social, artístico -, exibir filmes que possam iluminar - para o bem e para o mal - os nossos dias”, explica o curador.

Para Campagnolo, o cinema pode ser transformador. “Creio que muitas coisas podem mudar a vida das pessoas, basta que elas estejam suscetíveis a isso. O cinema pode, assim como a literatura, o teatro, a música, ser um gatilho. Dependerá do quão forte será o seu grito de socorro em direção a isso. É basicamente como na terapia: se você não se abrir por inteiro, de nada vai adiantar”, enfatiza, parafraseando Fernando Pessoa: “Sentir tudo de todas as maneiras, viver tudo de todos os lados, ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, realizar em si toda a humanidade possível de todos os momentos, nem só momento difuso, profuso, completo e longínquo”, se assim for a entrega, essa grande e tão frágil vida pode mudar, sim, acrescenta.

O curador também lembra dos benefícios de quem participa do projeto. “Aqueles que já se tornaram frequentadores assíduos, quero crer, ganham inúmeras coisas: os filmes, que muitas vezes lhes saciam uma sede de cumplicidade e de uma consciência mais potente sobre as nossas precariedades e também nossas potencialidades, além de certos ′companheiros′ para aliviar a solidão e um ′lugar′ de pertencimento. E ganham, muito, a possibilidade de apurar o olho - e todas as consequências advindas disso - para uma série de ′eventos′ que são possíveis diante de um cinema responsável, inteligente, comprometido com seu tempo e com o lugar do homem no mundo”, finaliza.

O secretário de Cultura, Miguel Fernando, lembra da importância do projeto e parabeniza o empenho e dedicação de Paulo Campagnolo que durante um longo tempo não contou com apoio e ajuda financeira. “É um projeto resistente a intempéries políticas e financeiras capitaneado pelo Paulo e que traz uma grande contribuição para àqueles que queiram fazer cinema em um cenário de efervescência da produção independente”, destaca.

RESISTÊNCIA E AFETO (texto de Paulo Campagnolo)

A maioridade do Projeto apoia-se, hoje (como ontem) na resistência. Mantê-lo, durante muito tempo e como muitos podem lembrar, foi um gesto de devoção - não apenas ao cinema, mas à inalienável necessidade de “desconfiar” que nestas paragens (cinematográficas) haveria sempre o confronto, a necessária observância da nossa passividade em contraponto às precariedades do mundo. Tornar-se Convite ao Cinema promoveu o Projeto a uma condição institucionalizada, porém não menos resistente. A justa, e porque não dizer, a postura absolutamente democrática de jamais ter sofrido qualquer ingerência por parte da Secretaria de Cultura apenas reafirma o caráter, do Projeto e da Secretaria, que é de andar de mãos dadas com a liberdade de trafegar em todas as áreas, em todas as línguas e linguagens, em todos os assuntos e formas que dão ao cinema uma potência artística - mas não só isso, uma potência inequívoca sobre a condição humana (demasiado humana, muitas vezes) e sobre a grande história do homem se fazendo no agora. Contribuir para uma consciência mais alerta é um dos objetivos. Um outro é, na medida de uma necessidade extrema, é tornar o “lugar” do Convite ao Cinema num lugar de afeto. Pois que compreendo que afeto é pura resistência.

Nestes 18 anos, as histórias singulares nos “bastidores” do Projeto poderiam, certamente, ser transformadas um livro no mínimo curioso. Talvez um dia eu o escreva. Por enquanto, basta-me esse “compartilhar” que me provoca emoções intensas (e alento, nas horas de escuridão). De minha parte, os aplausos vão para o público. Porque o público, e os filmes, acabam por me ajudar a “curar” essa doença do “estar vivo” num mundo onde a violência espreita em cada esquina. Sinto que a cada sábado à noite retorno à minha casa, à minha vida, curado e pronto para enfrentar o que quer que seja. Talvez isso soe demasiado exagerado, mas, confesso, é assim que me sinto. E eu só posso agradecer. Há algo de religioso nisso, ainda que eu não seja nenhum pouco religioso - ao menos não no sentido dogmático. Minha religião é o homem. Que também é a religião do cinema.