Os novos hábitos da juventude na Geração Z
Jovens de hoje bebem menos e dispensam encontros casuais. Por quê?

Os fins de semana regados a álcool e encontros casuais, antes considerados “ritos de passagem”, podem não ter sido extintos, mas perderam a relevância para a Geração Z.
Agora, o cenário tende a ser outro: a juventude nascida entre os anos 1997 e 2012 se tornou mais pacata e digital.
Pesquisas recentes apontam que 45% desses jovens consomem álcool (o menor índice registrado desde 1962), enquanto 30% não tiveram contato sexual no último ano e mantêm em média 9 horas por dia em frente às telas.
A título de curiosidade, na década de 2000 as mesmas pesquisas apontaram que apenas 19% dos jovens não mantinham uma vida sexual ativa nos últimos 12 meses, enquanto 57% dos jovens Millennials, nascidos entre 1981 e 1996, consumiam álcool com frequência. Além disso, naquele período, o tempo de tela era restrito à televisão e não chegava a três horas diárias.
“Eram rolês doidos o tempo todo,” relata Thalita, de 25 anos, ao relembrar sua adolescência. Hoje ela ainda curte os fins de semana, mas não percebe o mesmo hábito nos mais novos.
Essa é a realidade de Fernanda, que, aos 20 anos, afirma “não ver graça” na vida noturna. Ela destaca que o preço de entrada e deslocamento, o ambiente fechado e lotado e a música alta a afastam das noitadas. “Sob efeito de álcool até pode ser legal, mas eu não bebo. Prefiro ficar em casa,” opina, dando de ombros.
E a fala dela não é exceção — é sintoma cada vez mais latente de uma mudança de comportamento geracional motivada pelo nascimento em um mundo superconectado, mais digital e menos físico.
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Mesma geração, diferentes relações com a tecnologia
Embora ambas tenham nascido na Geração Z, a diferença de cinco anos entre Thalita e Fernanda gera culturas de lazer distintas. Podemos ilustrar isso com as tecnologias disponíveis no ano de nascimento de cada uma.
Em 2000, quando Thalita veio ao mundo, o celular do momento era o Nokia 3310, um modelo arcaico e robusto focado apenas em SMS e ligações. Já em 2005, ano em que Fernanda nasceu, os revolucionários smartphones focados em multimídias já ganhavam espaço. Entre eles estava o icônico Motorola V3.
O início do contato de cada uma com a tecnologia é um fator significativo nas diferenças culturais. O primeiro acesso à internet de Thalita ocorreu por volta dos nove anos, enquanto com apenas quatro anos Fernanda já tinha um computador com conexão de internet em casa.
Nesse contexto, Thalita afirma que, apesar de estar ativa nas redes sociais e consumir principalmente o TikTok, não mantém contatos virtuais e prefere o tête à tête, com conversas presenciais.
Em contrapartida, Fernanda, assídua no TikTok, está habituada a ligações de horas a fio e à troca de mensagens com os amigos pelo Discord, e afirma que reuniões presenciais podem até causar ansiedade, dependendo das circunstâncias.
O fator pandemia em cena
Pode não parecer, mas há cinco anos enfrentamos uma pandemia global que transformou a forma de viver em todo o mundo. É claro que a Covid-19 gerou efeitos comportamentais de longo prazo, principalmente entre os mais jovens.
Na época, com 15 anos, o fechamento de escolas e a adoção de ensino remoto interromperam seu convívio presencial na fase mais crucial da formação social, a adolescência. Tudo ficou digital.
“Quando fomos pro ensino remoto durante a quarentena, comecei a ter o hábito de ligar para minhas amigas por vídeo. Não podíamos estar fisicamente juntas então começamos a nos ligar bastante pra assistir filmes, séries, só conversar ou jogar ‘Among Us’”, relata.
Desde então, as chamadas de vídeo e áudio por Discord se tornaram rotina entre as amigas. E as festas? Só as de aniversário, de preferência mais intimistas. Hoje, a ideia de lugares badalados causa estranhamento em Fernanda.
“Na faculdade é comum terem as cervejadas mas, além de não beber, eu não curto muvuca. Pensar em ir nesses lugares me deixa nervosa. Prefiro evitar o caos. Sem dizer que em casa eu tenho o controle da playlist”, diz, rindo.
Além do contato virtual predominante, ir ao cinema e jantar em lugares diferentes também fazem parte do lazer de Fernanda com as amigas, mas raramente à noite.
“Gosto mais de ir em parques, restaurantes. A gente vai, senta, conversa e come. Dá 22 horas e já estou em casa. Pra mim, não tem coisa melhor”, afirma.
O mesmo pensamento não vale para Thalita. Com 25 anos, ela não vive sem sair e toda semana está na NY Lounge, uma das principais baladas de Maringá, aproveitando o open bar, conhecendo pessoas e curtindo até o amanhecer.
“Eu vim de uma adolescência onde tava sempre em alguma festinha de amigo, as coisas aconteciam presencialmente. Senti muito na pandemia, sem as baladas e às festas. Sempre procurava alguma alternativa”, afirma.
Apesar de pertencer ao mesmo grupo geracional, Thalita estranha alguns comportamentos dos mais novos — “as crianças do tablet”, como ela chama, que não conseguem se desgrudar do celular.
Ela observa que, até na balada, os mais jovens estão sempre grudados no celular, com os olhos nas telas, trocando mensagens ou gravando conteúdo para as redes sociais.
“Pra mim, que sempre vivi e gosto de viver a vida fora do celular, acho um saco esse comportamento”, finaliza.
Novas alternativas e a “morte das baladas”
Mesmo que as baladas não tenham sido completamente extintas pela Geração Z, esse setor tem sofrido as consequências de uma juventude mais reclusa. Além disso, assim como Fernanda, a maioria dos jovens prefere compromissos diurnos.
Em Curitiba, por exemplo, antes da pandemia funcionavam cerca de 600 casas noturnas. Atualmente, esse número caiu para 300; metade fechou as portas desde 2020.
Segundo Fabio Aguayo, presidente da Abrabar (Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas), a taxa de fechamento em torno de 50% não se restringe à capital paranaense, mas tem se repetido nas principais cidades do estado.
Esse fenômeno foi morbidamente apelidado por uma pesquisa britânica de “a morte das baladas”.
Em contrapartida, desde 2020 o setor de cafeterias registrou crescimento de 64% em relação aos cinco anos anteriores. Em 2023, 51% dos brasileiros declararam frequentar cafeterias, seis vezes mais que os 9% registrados em 2021.
Essa tendência segue outra busca efervescente na juventude: uma vida mais equilibrada e saudável. É essa, inclusive, a motivação de 88% dos jovens para se manterem longe das bebidas alcoólicas e mais próximos de noites de sono regulares.
Excesso de tela e o “apagão sexual”
Com a vida digital cada vez mais atrativa, o contato físico também se tornou menos frequente. A iniciação sexual, que antes ocorria por volta dos 15 ou 16 anos, agora é rara ou até inexistente mesmo entre quem está na faixa dos 20 anos.
Esse fenômeno também tem um nome forte: é o “apagão sexual” da juventude.
Para a psiquiatra Carmita Abdo (professora da Faculdade de Medicina e coordenadora do ProSex no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP), o confinamento e o avanço das tecnologias digitais geraram uma nova forma de vivenciar a sexualidade — mais solitária e mediada pelas telas.
A exposição constante a corpos idealizados nas redes sociais e a performances sexualizadas na pornografia online têm causado insegurança e constrangimento.
“Não há dúvida que o sexo virtual, o uso da pornografia e a autoerotização nunca foram tão profícuos como nos dias atuais. É uma nova tendência, é uma forma de exercício sexual muito própria dessa geração. Isso acaba levando, pelo hábito, a uma falta de jeito e de desempenho adequado na relação com a outra pessoa. A autoerotização é algo com a qual o outro não consegue competir, porque é tão perfeita e justa a relação daquilo que o cérebro quer com aquilo que a minha própria mão exerce que, quando estou com alguém, não tenho a mesma excitação”, explica Carmita, em entrevista ao Jornal da USP.
Ela ressalta que muitos jovens demonstram pouca habilidade para o convívio presencial, exibindo comportamentos que vão da timidez à irritabilidade quando enfrentam cenários fora de seu controle.
Essa disparidade ocorre porque, nas telas, o indivíduo domina o ambiente; no mundo real, precisa reaprender a se comportar. E o sexo é a situação mais vulnerável desse processo.
A juventude mudou. E agora?
Para o psicanalista Vinícius Romagnolli Rodrigues Gomes (autor de “Geração do esquecimento?” e “Adolescentes na contemporaneidade”), os novos hábitos dos jovens têm muito a nos ensinar.
“Um pai uma vez me falou que o universo online se tornou a praça dos jovens de hoje. Mas não creio que possamos generalizar. Após a pandemia percebi esse movimento de retração e fechamento ainda mais intenso. Os streamings, os games, a possibilidade de pedir comida em casa, tudo parece favorecer esse cenário no qual ficar no quarto é mais interessante do que sair”, pondera.
Apesar disso, Gomes considera precipitado afirmar que as baladas estão “morrendo” ou que há um “apagão sexual” na juventude.
“O que mais escuto nas sessões são jovens em descompasso com seus desejos e buscando espaços mais hospitaleiros, o que não deixa de ser uma questão que concerne a todos nós enquanto adultos e sociedade,” afirma.
O especialista também cita Jonathan Haidt, que alerta para os efeitos nocivos do excesso de tela na vida social e emocional dos jovens: baixa autoestima, queda de empatia, depressão e exposição a ideais performáticos. Haidt propõe adiar o uso de celulares e redes sociais até, respectivamente, 14 e 16 anos.
A juventude tem evoluído num cenário hiperconectado, com saúde mental em foco e isolamento normalizado — bem diferente da vivida pelos Millennials nos anos 1990, pela Geração X nos anos 1980 e pelos Baby Boomers nas décadas de 1960 e 1970.
Por isso, os novos hábitos da Geração Z devem ser analisados como um guia fundamental para entender o mundo que estamos construindo e que está moldando os “novos adultos”.
Do seu jeitinho especial, os jovens continuarão em busca de propósito e sentido até que novas gerações — já chamadas de Alfa e Beta — surjam para nadar contra a corrente que a Z um dia se deixou levar.
Se antes lidávamos com o advento da internet e o caos da pandemia moldando nossa personalidade, agora eles terão de enfrentar a Inteligência Artificial e as bets do momento. Só o tempo mostrará os efeitos disso.