Uso excessivo de antibióticos pode matar cerca de 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050
Além de dificultar o tratamento de infecções comuns, a resistência a antibióticos também pode apresentar risco à vida nas próximas décadas, aponta estudo
Doenças infecciosas comuns como uma infecção urinária poderiam ser facilmente curadas com o uso de um simples ciclo de antibiótico. No entanto, há evidências crescentes de que essas infecções, que atingem milhões de pessoas por ano, principalmente mulheres, estão cada vez mais resistentes a esses medicamentos.
De acordo com estudo realizado pela médica Larissa Hermann Nunes, por meio da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, a resistência da população aos medicamentos para tratamento de infecção urinária passou de 4,7% em 2012 para 19,26% em 2019 e, por isso, é necessário o controle do consumo de antibióticos para preservar a saúde da comunidade de forma geral.
A pesquisa avaliou amostras de urina de pacientes ambulatoriais atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2011 e 2019, que tiveram crescimento da bactéria Escherichia coli, responsável pela maioria das infecções urinárias. Também identificou o aumento da presença de bactérias portadoras de uma enzima chamada beta-lactamases de espectro estendido (ESBL), que torna a bactéria resistente a vários antibióticos.
ORIENTAÇÕES — O caminho para driblar as superbactérias passa pelo uso consciente de antibióticos e requer a atuação de diversos atores, que vão desde a população em geral até profissionais da saúde e indústria farmacêutica. "Dentro das estratégias para reduzir a resistência a esse medicamento, além do descarte correto e conscientização, está o Programa de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos dentro de hospitais", revela Tiago Zequinão, farmacêutico do Hospital Universitário Cajuru.
Até 2019, apenas 47,5% dos hospitais possuíam esse programa no país, e pouco mais de 30% continham estratégias documentadas para prescrição racional de antibióticos. O dado é do último levantamento realizado pela Anvisa, que avaliou 954 hospitais com Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Prescrever um tratamento, especialmente para infecções, requer uma boa investigação diagnóstica para chegar à possível causa da doença.
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"Os cuidados com a saúde precisam ser diários e necessitam do envolvimento de todos: de cada pessoa, independentemente de estar bem ou doente, da sociedade e dos órgãos públicos e privados. Se não forem feitas mudanças no âmbito global, podemos chegar aos números de mortes por infecção de antes da criação da penicilina", analisa a médica Larissa.
OS PERIGOS DAS SUPERBACTÉRIAS — Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a resistência a antibióticos pode levar à morte de 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050, o que representa uma morte a cada 3 segundos. A preocupação de médicos e cientistas em todo o mundo é que, sem o investimento em pesquisas e um plano contra o abuso de medicamentos, podemos voltar à época em que os antibióticos não existiam.
Em 2019, mais de 1,2 milhão de pessoas morreram em todo o mundo por infecções causadas por bactérias resistentes a antibióticos, de acordo com o maior estudo sobre o assunto realizado até hoje. A análise, publicada no periódico científico The Lancet, considerou dados de 204 países e territórios. Conforme o estudo, os óbitos têm sido causados por infecções comuns e tratáveis, como doenças respiratórias e da corrente sanguínea, decorrentes da resistência ao tratamento que as bactérias adquiriram.
No Brasil, a detecção de bactérias resistentes a antibióticos mais do que triplicou durante o período da pandemia de covid-19. É o que mostra um estudo realizado pelo Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O levantamento aponta que, em 2019, pouco mais de mil isolados de bactérias foram enviados ao laboratório para análise aprofundada. Em 2020, esse número passou para quase dois mil e, entre janeiro e outubro de 2021, já foram mais de 3,7 mil amostras.
O Brasil é o país com o maior consumo de antibióticos na América. É o que aponta o relatório da OMS sobre a vigilância de consumo do medicamento no mundo. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que cerca de 25% das infecções registradas são causadas por esses microrganismos. Nesse cenário, doenças como pneumonia, pielonefrite, tuberculose e gonorreia, estão se tornando cada vez mais difíceis e, às vezes, impossíveis de tratar.