A marca de relógios maringaense que está impressionando o mundo
Modelos da Statera Watch Co., que chegam a custar R$ 35 mil, são feitos com técnicas centenárias e têm chamado a atenção de colecionadores.

A história do relógio de pulso começa por influência de um brasileiro. Em 1904, Santos Dumont sugeriu ao seu amigo, Louis Cartier, a criação de um relógio com uma tira para ser colocada em volta do pulso. Até então, os modelos da moda eram usados no bolso, com corrente metálica presa à roupa, e Dumont precisava tirar uma das mãos do manche do avião para poder consultar as horas.
Seu desejo foi atendido e o primeiro relógio de pulso foi nomeado em sua homenagem, o Cartier Santos, modelo que se tornou um clássico.
Quem contou essa história ao Maringa.Com foi Rafael Guimarães um dos criadores da Statera Watch Co., marca de relógios mecânicos maringaense que tem impressionado aficionados em todo o mundo graças à técnica centenária utilizada na produção e à curiosidade despertada por uma marca independente e jovem em um país como o Brasil, que não tem tradição relojoeira.
“A gente faz relojoaria como se fazia há 200 anos na Suíça, à mão”, explicou Rafael em entrevista no ateliê da marca, localizado no centro de Maringá.
Esse modo clássico de fazer relógio utiliza uma técnica de esmaltação aprimorada desde o século XVI, mas que foi perdendo espaço ao longo dos anos, chamada enamel grand feu. O esmalte, diluído em água destilada, é aplicado sobre uma base de prata, que é queimada no forno diversas vezes, a cerca de 800ºC.

O resultado é um mostrador com design clássico — a técnica usada nos modelos da Statera é a mesma de outras marcas consolidadas há décadas no mercado —, feito para durar e que tem chamado a atenção de colecionadores.
Segundo Rafael, cada relógio demora, em média, 30 horas para ficar pronto e, atualmente, o tempo de espera por um modelo pode chegar a oito meses. A média de preços é de R$ 20 mil.

Para conseguir dominar tal maneira de fazer relógios, Rafael e seu sócio, Antonio Almir do Santos, começaram a estudar ainda na pandemia, com a ajuda de livros comprados na internet, mas também viajaram à Europa para se aprimorarem com especialistas.
“A gente foi aprender sobre a tampografia, que é a ‘impressão’ que vai no mostrador, em uma cidadezinha chamada Le Locle, na Suíça, com uma família que faz isso há seis gerações. O sobrenome deles significa, literalmente, estampadores. Ficamos lá, no meio das montanhas, na casa deles, aprendendo”.
O Paraná como inspiração

A relojoaria era um hobbie para Rafael e Antonio, amigos de longa data que se conhecem desde os cinco anos de idade. Mas após o conselho de um conhecido francês, que identificou uma brecha no mercado sem muitas novidades interessantes, decidiram apostar na Statera como um plano A.
“Ele falava ‘Como colecionador, a gente está buscando relógios bem feitos, estruturados, uma peça de qualidade, mas com uma história diferente pra contar. Quer uma história mais diferente que um relógio brasileiro?’”.
Em janeiro de 2024, com a ajuda de um investidor, os sócios conseguiram abandonar suas profissões anteriores — Rafael era dono de uma empresa de tecnologia voltada para o ramo imobiliário, Antonio era veterinário — e passaram a se dedicar inteiramente à Statera (nome que significa ‘equilíbrio’, em latim).
“A gente tem uma linha de design bem minimalista, porque é conectado com o que nós gostamos. Sempre fomos caras mais discretos e acabamos trazendo isso pro relógio e acho que foi um pouco isso que deu espaço [para a marca]. Hoje, no mundo da relojoaria, os relógios esportivos meio que são a preferência, então a gente foi por um caminho onde ninguém estava olhando muito”.
A base da empresa foi estabelecida em Maringá e, mesmo com o reconhecimento internacional da marca, eles pretendem permanecer na cidade. “Torna tudo mais curioso”, disse Rafael. “A gente é muito apaixonado por Maringá. É uma cidade que, esteticamente, inspira”.
Outra fonte de inspiração é a cultura paranaense. O símbolo da Statera é um pinhão dividido ao meio para simbolizar os dois pilares da marca — Rafael e Antonio —, mas também utilizado no mostrador dos relógios. A cor principal da identidade visual foi escolhida para remeter à gralha-azul, ave símbolo do Paraná.
“Somos muito conectados ao Paranismo, que descobrimos no meio do caminho e que hoje meio que inspira tudo que fazemos”.
O Paranismo foi um movimento artístico que nasceu na década de 1920 e tinha como objetivo, por meio da arte, definir uma identidade regional para o Paraná, que havia deixado de ser parte da província de São Paulo em 1853.
Ao incluir elementos da fauna e da flora do Estado na arte, nomes como Guido Viaro, João Turis e Frederico Lange de Morretes ajudaram a definir os símbolos culturais que, atualmente, fazem parte da cultura paranaense, como a araucária, o pinhão e a gralha-azul.
“Quando os caras lá fora pensam em Brasil, pensam em caipirinha, samba, futebol e Rio de Janeiro, mas isso não é o todo. Com a Statera, tentamos mostrar um pouco a cultura de onde a gente vem, que às vezes fica esquecida e acaba não entrando no rótulo do que é o Brasil, mas, aqui dentro, tem vários ‘Brasis’ diferentes”.
A produção dos relógios também passa quase inteiramente por mãos paranaenses. O mecanismo é suíço, mas as tiras de couro são feitas por um parceiro em Curitiba; um artesão foi treinado para trabalhar com a esmaltação no ateliê em Maringá; e um relojoeiro de Apucarana, da terceira geração de uma família dedicada ao ofício, também faz parte da equipe.
Cuidado estético

Para Rafael, além da preocupação em entregar aos clientes uma peça de alta qualidade, outro ponto de destaque da Statera é a estética, como o relógio se apresenta.
“Você pega um relógio mecânico: são várias engrenagens, movidas por uma corda, e a dissipação da energia dessa corda vai fazendo com que todas as engrenagens se movam. É uma coisa realmente bonita, tem muito a ver com geometria sagrada, com equilíbrio entre os componentes, os metais”, explicou Rafael. “A gente tem uma preocupação mecânica, mas a gente se preocupa muito também com a questão estética do relógio, como ele fica no pulso, para que o relógio vire quase uma parte do corpo”.
Na última sexta-feira (29), a marca lançou o modelo GD01, desenvolvido em parceria com o colecionador Greg Duboc. Com valor de R$ 35 mil, o modelo é uma peça leve, feita em titânio, com o mostrador em prata entalhada em filetes finos, esmalte preto translúcido e ponteiros roxos. A edição é limitada a apenas 20 exemplares numerados, que serão entregues em uma caixa também de titânio. Todos já foram vendidos.