ANIVERSÁRIO DE MARINGÁ

De volta pra casa

Após um refúgio voluntário de duas décadas, maringaense comenta as dores e alegrias de reencontrar sua cidade natal.

De volta pra casa
Graças as suas árvores frondosas, Maringá, apesar de seus inúmeros arranha-céus, ainda possui esse « je ne sais quoi » de cidade do inteiror. - Foto: Thiago Louzada - Maringa.Com

A sensação é recorrente como um ritual praticado há duas décadas, acolher com alegria e exaustão as rajadas de vento quente (30°, 32° graus ?), o sol imponente dificultando a visão da míope que eu sou e um concentrado de emoções conflitantes na mala e no coração: saudade, melancolia, curiosidade, cansaço, excitação. Após inúmeras horas de vôo, o reencontro com minha cidade natal, Maringá, cujo nome foi poeticamente, inspirado por uma canção (mas isso é uma outra história, bem como as antigas populações humanas que lá viviam como os povos Guarani, os Xokleng ou ainda os Kaingang).

Nessa altura do deslocamento eu já sei que nada vai se passar como previsto - que a cidade e seus caprichos me surpreenderão, que os amigos me confiarão projetos mirabolantes, que novos artistas terão surgido, bem como bares e restaurantes, e a sensação, nítida, de que Maringá consegue o prodígio de não parar no tempo.

Decidi sair da minha zona de conforto há exatos vinte e uma anos. O motivo do abandono (cidade, família, amigos, noivo) foi a paixão imperativa por uma outra cidade, a sublime e longínqua Paris.

Levei muito tempo – de 2005 à 2013 - para sentir saudade e decidir, finalmente, visitar, enquanto filha pródiga, a Cidade Canção (ainda se diz isso?). Em meados de 2013, voltei, pela primeira vez, à rua Arthur Thomas. Me sentia arisca, cética, distante, como quem veste uma roupa apertada demais.

Me achava desengonçada, nem maringaense, nem parisiense, nem brasileira, nem estrangeira, simplesmente não pertencente, uma sensação que me acompanharia durante anos. Tal qual Ulisses que depois de tantas aventuras rocambolescas, volta à Ítaca e se esconde dos seus, numa fantasia de mendigo.

Tinha a sensação de que tinha vivido tantas coisas impensáveis, boas e más, que seria difícil compartilhar com quem quer que fosse toda a nostalgia – essa dor do retorno – de um exílio voluntário. Felizmente estava enganada.

Na primeira volta que dei de moto com um amigo de infância, percebi que aquele solo avermelhado tão fértil, resultado de um derrame vulcânico há milhões de anos atrás, nunca me deixariam indiferente. Sem mencionar as milhares de árvores que tantas vezes já serviram de refúgio à criança selvagem que eu um dia fui.

Em 2017 minha mãe, cujos pais foram pioneiros de Maringá, foi diagnosticada com Alzheimer, logo, em função disso, tenho voltado à cidade duas vezes ao ano. De tantas idas e vindas, constato que me reconciliei com aquilo que me incomodava (questões familiares) e me abri para o desconhecido, já que em Maringá, o novo sempre vem.

É muito provável que nem todos concordem comigo, possivelmente dirão que estou romanceando a cidade, mas enquanto forasteira, percebo uma força que vibra intensamente, um apetite de vida, um desejo profundo de todas as gerações confundidas em se abrir para um mundo que, como de hábito, não contém manual de instruções.

Durante a minha última estadia, acabei ficando por quase oito meses, ou seja, mais de meio ano nessa cidade cortada pelo Trópico de Capricórnio. Estive em imersão total nesse ambiente urbano e rural, em meio às suas calçadas tomadas por ipês roxos, chorões, sibipirunas, e o que vi e experimentei me inspirou e comoveu.

Frequentei teatros que não conhecia, descobri uma cena musical composta por talentos que irão, sem dúvida, longe, muito longe. Tomei drinks que me transportaram para a Nova Iorque de Truman Capote, jantei em restaurantes simpáticos, bonitos, calorosos e sobretudo de qualidade, visitei sítios e fazendas da região com cafés rurais que me reconectaram com a minha terra, passei horas e horas trocando idéias interessantíssimas com pessoas vindas de todos os horizontes. Enfim, me enamorei daquela que um dia abandonei sem olhar pra trás.

Tenho percebido ao longo de minhas visitas que o desejo de permanecer tem sido cada vez mais forte, mais presente. Se a saudade é a manifestação poética do desejo, posso afirmar que o meu desejo, é o de flanar nessas ruas onde as árvores servem de túneis para os passantes. Existe um momento na vida onde a memória se transforma em pura ficção contando « causos » baseados em fatos reais.

Em minhas lembranças maringaenses estarão sempre presentes as descidas kamikazes em carrinhos de rolimã nas ruas próximas à UEM, mas também as cantorias desafinadas na Marmitaria do Boy, onde me reuni com amigos inúmeras vezes para cantar músicas cafonas que nos fazem rir e chorar.

Gosto de imaginar minha cidade natal como meu refúgio, mas a percebo como uma cidade estimulante onde grandes idéias podem ver a luz do dia, da mesma forma que meus amigos, intelectuais, artistas e boêmios podem ser úteis a uma geração que se sente abandonada pelos poderes públicos.

Nesses 77 anos de Maringá, só posso desejar que ela continue aprovando e abençoando aqueles que sonham em partir, e que ela continue acolhendo aqueles, que por razões diversas pensam em voltar. No meu caso, Maringá foi extremamente generosa comigo. Nesses últimos oito meses eu sorri, gozei, chorei, vibrei, dancei e me senti, viva e em casa.
Obrigada, Maringá.

Por Dani Moraes