Ataques em escolas e creches: divulgação de fotos e vídeos dos agressores promove “efeito contágio”
Má conduta na cobertura de atentados aumenta a chance de acontecer outras tragédias, como as registradas em Blumenau, nesta quarta-feira (5), e em São Paulo, há duas semanas.
O número de ataques a escolas e creches no Brasil, como os registrados em Blumenau nesta quarta-feira (5), e em São Paulo no dia 27 de março, tem aumentado de forma preocupante. Com um total de 25 casos registrados desde 2002, 72% dos ataques a instituições de ensino aconteceram entre 2017 e 2023.
- Receba as novidades de Maringá pelo Whatsapp ou Telegram.
- Siga o Maringa.Com no Instagram ou Google News.
O crescente número de ataques tem preocupado, além da sociedade geral, os especialistas, que julgam a má conduta na cobertura dos casos como o principal fator de incentivo a novas tragédias.
No Brasil, os casos com maior número de mortos foram registrados em 2011 na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, com 13 mortos; em 2017 na Creche Gente Inocente, em Janaúba (MG), com 14 mortes e em 2019 na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), com nove vítimas fatais.
Outros casos registrados a partir de 2017 foram em Goiânia (GO), Medianeira (PR), Charqueadas (RS), Caraí (MG), Americana (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Morro (BA), Barreiras (BA), Sobral (CE), Mesquita (RJ), Ipaussu (SP), Monte Mor (SP), São Paulo (SP) e Saudades (SC). A maioria em 2022.
Chamado de “efeito contágio”, pesquisadores destacam que quando um ataque violento acontece em uma escola, a probabilidade de outros acontecerem se intensifica.
“Quando a mídia publica imagens do agressor ou cenas do atentado, tudo isso potencializa esse efeito contágio para outros que estão sendo radicalizados. Eles se sentem mais mobilizados a cometer atentados que já estavam planejando”, explica a pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), Michele Prado, em entrevista à BBC News Brasil.
Esse fenômeno explica a proximidade de tempo entre os ataques registrados em Blumenau (SC) e em São Paulo (SP), que possuem uma janela de efeito contágio de apenas nove dias. De acordo com Prado, essa janela pode durar até 15 dias para imitadores realizarem novos ataques.
Em alerta, a especialista destaca que a maioria dos agressores se mobilizam em subculturas extremistas presentes na internet para planejar ataques a comunidades vulneráveis, como é o caso das escolas e creches.
“O atentado de São Paulo em 27 de março foi muito comemorado nessas subculturas de ódio online, pelo fato de, mesmo tendo sido realizado com arma branca, ter resultado em morte. Em alguns casos eles estavam anunciando e instruindo que os alvos deveriam ser mais vulneráveis. Então o agressor de Blumenau pode ter buscado uma creche com esse objetivo”, analisa a especialista.
Entre as culturas responsáveis por mobilizações desses ataques estão a do ódio às mulheres, a do racismo e a exaltação de símbolos neonazistas e fascistas.
Além de matar, o objetivo desses agressores é conquistar notoriedade e influenciar iniciativas para novos ataques. Por isso, a propagação de dados pessoais, fotos e demais informações sobre os responsáveis pelos ataques deve ser evitada pela mídia.
Atento a influência e danos que divulgações irresponsáveis podem causar a curto ou longo prazo, o Grupo Globo, maior rede de comunicação do Brasil, anunciou mudanças na forma de abordar ataques extremistas como os dois registrados nos últimos 10 dias.
Há anos a empresa tinha como política divulgar nome e foto dos agressores apenas uma vez. Agora, com o objetivo de não dar fama aos responsáveis pelos ataques, a empresa adotou uma medida mais restritiva de jamais publicar ou divulgar fotos e nome do agressor e vídeos dos atentados. Exemplo que deve ser adotado por todos os veículos de comunicação.
A medida foi adotada após recomendações de “renomados especialistas do tema que destacam que dar visibilidade a agressores pode servir como um estímulo a novos ataques”, explica a empresa em nota oficial.
No entanto, o combate a esse tipo de movimento vai além do que deve ou não ser divulgado pela mídia.
De acordo com Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP, o combate a esse movimento deve priorizar a fiscalização e o monitoramento do discurso de ódio presente na internet; realização de campanhas de conscientização; formação na escola sobre os riscos de ataques e a prevenção, além de protocolos de como lidar com possíveis ataques.