SAÚDE

Três anos do início da pandemia de Covid-19: o começo e o agora

Enquanto parte das pessoas retorna à vida “normal”, para algumas, como a maringaense Marta Dalla Torre, os rastros deixados pelos últimos anos não se apagarão tão facilmente.

Três anos do início da pandemia de Covid-19: o começo e o agora
Nestes três anos de pandemia, 759 milhões de pessoas já foram contaminadas pelo vírus e cerca de 6,8 milhões morreram. Em Maringá, o primeiro caso da doença foi confirmado em 18 de março de 2020 e, desde então, 159 mil casos foram notificados. - Foto: Freepik

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o início da pandemia de Covid-19 em 11 de março de 2020 e a psicanalista Marta Dalla Torre lembra exatamente onde estava. “Em uma reunião, no meu serviço — eu era trabalhadora do serviço público, na Secretaria de Saúde. A coordenadora chegou e nos disse que, daquele dia em diante, nossas reuniões deveriam acontecer em um espaço mais aberto, que a gente devia manter alguns cuidados”

A partir daquele momento, a rotina de Marta mudou. Ela já acompanhava o desenrolar da pandemia na Itália — que entre 13 e 20 de março de 2020 se tornou o país com o maior número de óbitos em 24 horas no mundo e já somava mais de 2 mil mortes — e as ações de prevenção contra o coronavírus se tornaram uma prioridade.

Por ter mais de 60 anos e fazer parte do grupo de risco, a psicanalista tinha o direito de trabalhar à distância e passou a realizar os atendimentos dos pacientes de sua clínica por videochamadas. Apesar de acreditar que o primeiro período de isolamento social ia durar, no máximo, um mês, esse método de consulta permaneceu por dois anos.

“O que a gente sabia sobre essa situação que afligia o planeta? Nada”, diz. “A gente só sabia que as pessoas estavam morrendo, que era mortal. Então isso pega num ponto frágil de todo ser humano, que é a vida, a fragilidade da vida, o desamparo”.

Impactos de uma tragédia mundial e os hábitos pandêmicos – Segundo a psicóloga clínica Ana Luísa Martins Rosa, cada um reage à sua forma, mas quando um acontecimento coletivo se instala, é comum que traços do comportamento das pessoas e a maneira como processam a situação, naturalmente, acabem se refletindo, “[Dentro de um cenário pandêmico] as experiências coletivas são compartilhadas numa intensidade que acaba por trazer efeitos, medos, e sentimentos semelhantes”, afirma.

Com a chegada de um vírus mortal e tão desconhecido, que se alastrou rapidamente e de maneira intensa, as pessoas começaram a transformar suas rotinas e fazer o que estava à seu alcance para impedir a entrada do vírus dentro de casa.

“Eu fazia minhas compras tudo à distância, me distanciei da vida presencial, só tinha presença online”, relata Marta, que descreve esse período da pandemia como “mundo Matrix”, referência ao filme de 1999 no qual o protagonista Neil, em uma manipulação, acredita que está vivendo no mundo real quando, na verdade, está preso dentro do sistema de inteligência artificial que dá nome ao filme.

Os encontros com suas filhas aconteciam na varanda de casa, sempre mantendo distância, e hábitos como higienizar os itens que comprava no mercado (pela internet) se tornaram comuns. “ Lavava banana por banana”, diz, entre risos.

Marta não estava sozinha nesse hábito, que ela mesmo descreve como uma “paranóia” na tentativa de evitar a entrada do vírus em casa. No início da pandemia, com poucos estudos realizados e sabendo-se quase nada sobre a capacidade de transmissibilidade do SARS-CoV-2, as pessoas faziam o possível para tentar conter o vírus. Porém, com o tempo, as pesquisas com embasamento científico, que mostravam como o coronavírus se comportava, foram avançando.

Um dos primeiros fatos descobertos sobre o vírus foi sua capacidade de sobrevivência em superfícies, como maçanetas, roupas e balcões, que podia se estender por dias. Por isso, era recomendado a limpeza constante dos ambientes, assim como a higienização de qualquer objeto ou, neste caso, alimentos que poderiam ter sido manipulados por outra pessoa.

No entanto, estudos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mostraram que a chance de infecção por coronavírus nessa modalidade é muito baixa, cerca de uma para 10 mil. Ou seja, não é inexistente, mas como a carga viral precisa ser grande, a contaminação dessa maneira se torna improvável e apenas lavar as mãos depois de manusear as compras se mostrou suficiente para evitar a transmissão.

Apesar de saber que não é mais necessário lavar as compras do mercado, Marta ainda não abandonou esse hábito. “Eu acho que é uma higiene que vai para além do vírus, porque a gente nunca sabe quem manipulou, como foi”, afirma.

Segundo Ana Luísa, os hábitos do início da pandemia forneciam conforto às pessoas, especialmente porque, no caso do coronavírus, essa rotina oferecia uma espécie de controle sobre o desconhecido. “Hábitos fazem parte do ser humano. Desde os primórdios, nossos ancestrais já tinham hábitos bem definidos que delimitavam sua rotina: saiam para caçar ao amanhecer, retornavam à caverna no fim do dia, se alimentavam, dormiam, descansavam e começavam tudo de novo. Dessa forma, hábitos são passados socialmente de geração em geração e é isso que vai facilitar o dia a dia, trazer uma sensação de segurança e proteção”, diz a psicóloga.

A pandemia pelo mundo – Segundo a OMS, nestes três anos de pandemia, 759 milhões de pessoas já foram contaminadas pelo vírus descoberto em Wuhan, na China, e cerca de 6,8 milhões morreram.

No Brasil, 37 milhões de casos foram registrados, com 700 mil mortes. A quantidade de óbitos desacelerou graças à chegada da vacinação, no primeiro semestre de 2021. De acordo com dados da Fundação Oswaldo Cruz, cerca de 82% da população está vacinada com uma dose, uma cobertura vacinal superior à média mundial e das Américas. O painel Monitora Covid também informa que 58% dos brasileiros tomaram, pelo menos, uma dose de reforço.

Em Maringá, o primeiro caso da doença foi confirmado em 18 de março de 2020 e, no mesmo dia, a Prefeitura da cidade declarou estado de emergência e adotou medidas de prevenção, incluindo o isolamento social, com o fechamento do comércio. As primeiras mortes foram confirmadas no dia 27 do mesmo mês.

Desde 2020, quase 159 mil casos foram notificados em Maringá e 1849 pessoas morreram em decorrência do coronavírus. Uma dessas vítimas era próxima de Marta. “Eu tive a perda de uma pessoa muito importante na minha vida, há menos de um mês, por Covid. Ele foi internado, sarou, mas teve uma infecção hospitalar. Aí quando você fala ‘vou abrir a guarda’ e recebe uma notícia dessas, a cautela continua”.

“Cuidado é sempre cuidado” – Mesmo vacinada com todas as doses disponíveis para sua faixa etária, Marta continua cautelosa. “Quando eu vou em reuniões com meus colegas, eu vou de máscara. Eles olham pra mim e falam ‘Marta, a pandemia já passou’. Mas, quando é um ambiente fechado, quando eu vou atender os meus pacientes na minha sala, eu mantenho a máscara. Em outros lugares que eu sinto que o ambiente me possibilita [ficar sem máscara] eu já não uso. Mas isso começou de uns dois meses pra cá. Na minha clínica, como é um espaço médico, eu uso sempre”.

“As pessoas têm períodos internos diferentes e, por esse motivo, cada uma leva um tempo para entender e elaborar suas questões”, explica a psicóloga Ana Luísa. “Acredito que, um dia, o conforto retorna no tempo que a pessoa conseguir, entendendo seus limites”.

Para Marta, essa readaptação tem sido gradativa, assim como o retorno de sua vida social. “Há uns quatro meses, minha filha estava morando aqui comigo. Ela chamava os amigos dela, mas a gente ficava lá fora conversando. Se eu vou sair com minhas amigas, a gente vai em um restaurante com ambiente aberto. Aos poucos, eu tenho me sentido mais segura, com essa liberdade de conversar com as pessoas, de estar com elas”.

Maringa.Com
Por Vanessa Santa Rosa