SAÚDE

Nossos avós tinham crise de pânico? Diálogo aberto sobre saúde mental entre millennials e geração z

Uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019 revelou que o Brasil é o primeiro país do mundo no ranking de pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade

Nossos avós tinham crise de pânico? Diálogo aberto sobre saúde mental entre millennials e geração z
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Market Analysis, 2% dos brasileiros em idade adulta procuram pela psicoterapia como alternativa para resolver problemas pessoais. - Foto: Divulgação

Os encontros semanais com a terapia já fazem parte da rotina de Ana Caroline. A jovem de 26 anos vê na terapia uma conexão direta com a qualidade de vida. “Eu acredito que a nossa mente e as nossas emoções têm o poder de ditar como vai ser a saúde do nosso corpo”, afirma a consultora de imagem.

A busca por uma mente saudável vai além da procura exclusiva do bem-estar. A terapia é um dos passos essenciais para reparar traumas vividos no passado. Isabella, de 23 anos, procurou pelo acompanhamento de um terapeuta para reparar os danos emocionais que sofreu depois de anos de bullying severo vividos nos anos de escola. “Alguns acontecimentos da minha infância, do meu colegial, abalaram muito a minha saúde mental e eu não sabia mais quem eu era”, comenta. 

Para a designer que, devido ao abuso emocional enfrentado perdeu a confiança em si mesma, a terapia foi o primeiro passo para restabelecer uma autoestima há muito tempo perdida. 

Tanto Isabella, quanto Ana Caroline, se encaixam em uma faixa etária que cresceu com a internet e viu, nos últimos anos, um aumento inédito de conversas a respeito de saúde mental, especialmente nas redes sociais. Segundo a psicóloga Ana Luísa Martins Rosa, o diálogo cada vez mais aberto sobre ansiedade e crises de pânico, por exemplo, ajudam a levantar um tabu instaurado na prática psicoterapêutica. “[a busca cada vez maior por terapia] naturaliza o serviço de psicologia, fazendo com que não seja só visto como coisa para gente ‘doida’”, diz a psicóloga.

A resistência dos mais velhos em falar sobre saúde mental

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Market Analysis, 2% dos brasileiros em idade adulta procuram pela psicoterapia como alternativa para resolver problemas pessoais. São cerca de 780 mil pessoas, em sua maioria, com faixa etária entre 18 e 45 anos. Ou seja, os idosos não são parte significativa desses números.

A psicologia foi regulamentada no Brasil há pouco tempo, durante os anos 60, época na qual as pessoas que hoje são idosas já estavam chegando à adolescência, mesma faixa etária dos jovens que, em 2021, falam sobre como lidar com problemas de saúde mental no TikTok. 

Além disso, o acesso a informações sobre os benefícios da psicoterapia eram escassos na época, já que as tecnologias da informação não eram desenvolvidas como agora e a ditadura militar estava em curso durante os primeiros anos da popularização da prática, que se deu primeiro entre as elites brasileiras.

Segundo Ana Luísa, o que contribui para a resistência de pessoas da terceira idade, além da dificuldade em aceitar mudanças, é justamente a falta de conhecimento sobre os benefícios da terapia. Como o diálogo sobre saúde mental se torna cada vez mais digital, concentrado nas redes sociais, os idosos acabam ficando de fora e, por isso, é essencial que os mais jovens os incluam nas conversas.  “É importante levar conhecimento sobre a terapia para essa faixa etária, visto que eles não são tão adeptos aos meios digitais, então acabam não sendo afetados diretamente sobre esses assuntos. É através de nós que eles vão descobrir sobre a terapia”, afirma a psicóloga.

A terapia como instrumento principal para o autoconhecimento 

Atualmente, a busca por terapia é mais atrelada à procura por entendimento próprio. Ana Luísa pontua que, no passado, “[As gerações anteriores] só buscavam a terapia quando tinham uma queixa de psicopatologia ou algo mais sério envolvido”.

Foi graças à terapia que Isabella recebeu apoio para desenvolver confiança em si mesma e reparar os danos que o bullying causou em seu emocional no passado. “Eu acredito mais em mim, tanto no lado psicológico, emocionalmente, quanto no lado profissional. Estou arriscando bem mais, tanto que agora atuo na minha área e acredito nas minhas convicções”, diz a designer.

Já para Ana Caroline, cuidar da saúde mental foi estimulante para se auto descobrir. “Voltar para a terapia, foi uma opção de autocuidado, de amor próprio, porque foi o momento que eu decidi que ia olhar pra mim e que iria me priorizar”, afirma. 

O diálogo com a família e amigos também é um passo importante para desestigmatizar o assunto. Ana Caroline, que faz terapia ininterruptamente há dois anos, se tornou uma defensora ávida para as pessoas próximas à ela. “Sempre que alguém expressa esse desejo de buscar uma terapia, eu sou a primeira pessoa a dizer ‘vai e faz’, porque eu vejo que esse tempo de terapia me fez ser uma pessoa que entende melhor os meus sentimentos hoje e que, consequentemente, consigo me relacionar melhor com as pessoas.

Brasil: país de uma população ansiosa

Apesar da porcentagem pequena de pessoas que frequentam a terapia regularmente ser pequena (2%), números demonstram que o estado da saúde mental do brasileiro merece atenção. Uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019 revelou que o Brasil é o primeiro país do mundo no ranking de pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade (9,3%). Quando se fala em depressão, os brasileiros estão em quinto lugar, com 5,8% da população sendo afetada pela doença.

Em um período pandêmico, no qual as pessoas precisaram se manter isoladas, a busca por alternativas que melhorem o bem-estar e saúde mental aumentou exponencialmente. De acordo com a plataforma Google Trends, o termo “terapia online” manteve um interesse regular de buscas entre 2016 e 2019, mas sofreu um pico de pesquisas em abril de 2020, época em que a pandemia estava se agravando no país. 

Em março de 2021, quando o Brasil passou a ter a maior média diária de mortes no mundo e medidas mais restritivas de isolamento social voltaram a ser instauradas, a procura voltou a sofrer um aumento significativo, atingindo seu segundo maior pico em cinco anos.

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